Chapada: VI Jornada de Agroecologia da Bahia reuniu povos de diversas etnias em Utinga

Chapada: VI Jornada de Agroecologia da Bahia reuniu povos de diversas etnias em Utinga

23 de outubro de 2019 0 Por Redação

Ocorrida no território dos índios Payayas no povoado Cabeceira do Rio em Utinga, região da Chapada Diamantina, a VI Jornada de Agroecologia da Bahia reuniu povos de diversas organizações sociais, credos e etnias, em torno do tema: Terra, Território, Águas e Ancestralidade. A jornada começou na quarta-feira dia 16 e terminou no domingo 20/10.

Durante o evento, houve espaços destinados às místicas e rituais dos povos tradicionais. Os povos de terreiro e os povos indígenas das diversas tribos presentes na jornada apresentaram seus ritos de passagem, engrandecendo o evento e fortalecendo, assim, a espiritualidade.

Temas como ancestralidade e religião, feminismo e agroecologia, estratégias de defesa contra a apropriação da biodiversidade, sementes crioulas, existência e soberania alimentar, foram alguns dos diversos assuntos discutidos em rodas de conversas durante a VI jornada. Na roda de conversa “Pedagogia do terreiro e do tambor” foram discutidos assuntos como os preconceitos enfrentados pelos povos que cultuam religiões de matrizes africanas e fortalecido os vínculos entre os participantes para defenderem sua cultura, suas tradições.

Roda de Conversa durante a VI Jornada de Agroecologia da Bahia
Roda de Conversa durante a VI Jornada de Agroecologia da Bahia

Nas mesas de debates, ocorridas durante o evento, foi realizada uma análise de conjuntura nacional e local, houve discussões sobre os temas: Terra, Território e Agroecologia; Terra, Território e Água; Terra, Território e Ancestralidade; e Terra, Território e Bem Viver.

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Na mesa de discussão sobre o tema “Terra, Território e Ancestralidade” o Antropólogo e professor brasileiro-congolês Kabengele Munanga falou sobre a defesa do território, explicando que os antepassados tinham uma tradição oral, e que não necessitavam de documentos para comprovar a posse da terra.

A terra, segundo o antropólogo era um patrimônio social inalienável, não era uma propriedade, então não precisava de documentos, como é exigido hoje. Kabengele Munanga falou sobre os conflitos com os grileiros de terras e sobre a importância da ancestralidade para a construção da identidade.

Durante a sexta jornada de agroecologia também ocorreu a Feira de Economia dos Povos, com artesanatos, comidas, cosméticos, remédios naturais e diversos produtos agroecológicos.

Feira de Economia dos Povos durante a VI Jornada de Agroecologia da Bahia
Feira de Economia dos Povos durante a VI Jornada de Agroecologia da Bahia

Nas noites da jornada, ocorreram lançamentos de livros e noites culturais com apresentações de diversos artistas. O cantor Raumi Souza lançou uma música em homenagem a VI Jornada de Agroecologia da Bahia, encantando o público com a letra e motivando-o a continuarem a discussão sobre o tema.

Durante o evento também houve uma caminhada em defesa do Rio Utinga, onde os povos presentes se deslocaram até a nascente do rio. No último dia, as discussões foram sobre o tema: Terra, Território e Bem Viver, e a jornada encerrou-se com a apresentação da Carta da VI Jornada de Agroecologia da Bahia e com o Toré dos Povos.

Redação – Folha da Chapada

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Abaixo: Carta da VI Jornada de Agroecologia da Bahia – 2019 – Teia dos Povos

Fortalecidas e guiadas pela ancestralidade negra e indígena, reconhecendo e valorizando nossa diversidade: somos grandes, seremos ainda maiores.

Com a licença dos mais velhos,
Aos núcleos de base,
aos elos da Teia,
às mulheres da Teia,
à juventude,
aos grupos de apoio,

Estamos construindo uma grande luta negra, indígena e popular. Nos encontramos no coração das Terras Payayá, na Cabeceira do Rio Utinga, neste ano de 2019, inspirados pelo espírito de luta e de guerra do grande cacique Sacambuasu, para confirmar uma grande aliança. O que estamos fazendo aqui ainda não encontramos um nome próprio, mas se trata de um grande ajuntamento de povos e territórios em luta.

Teia dos Povos congrega movimentos e organizações sociais, pescadoras, marisqueiras, ribeirinhos, povo de fundo e fecho de pasto, povos de terreiros, pequenos agricultores, sem-terra, sem-teto, indígenas de muitas nações, quilombolas, povo negro, extrativistas e os muitos elos que apoiam e constroem a Teia a partir da solidariedade. Nos encontramos em Utinga e levantamos um grande acampamento para falar e nos ouvir, construindo coletivamente e de modo auto-organizado. Foram mutirões para construir banheiros, cozinhas, ocas, composteira e tantas outras instalações. Fizemos um grande feira dos povos, falamos e ouvimos em mesas, rodas de conversa, aprendemos em oficinas, trocamos sementes crioulas, cozinhamos, cantamos e brincamos juntos. Nossas crianças brincaram num terreiro lúdico. Brincamos com elas. Não nos separamos de nossos filhos e netos.

Reunindo povos e movimentos em torno do tema Terra, território, águas e ancestralidade: tecendo o bem viver nossa sexta jornada foi vitoriosa. Aperfeiçoamos a nossa autogestão e avançamos muito no autofinanciamento de nossas atividades, seguimos com autonomia ideológica e política, produzindo uma análise de conjuntura e reflexões forjadas a partir da nossa realidade. Nossa fé e nossa ancestralidade construíram e seguem construindo nossas cosmovisões de mundo, além da defesa de nossos direitos e de nossas terras e territórios. Não existimos enquanto povo se não defendermos nossas águas, pois como consideram nossos anfitriões Payayá, “o rio é o outro em mim”.

Hoje acreditamos que tecer o bem viver é algo que só se faz com luta, organização, resistência, autonomia, soberania. Tem sido a ancestralidade nossa grande conselheira e nos tem ensinado que “ser forte é saber porque estamos lutando”. Nos sentamos e conversamos. Está evidente que esta conjuntura nos faz um apelo à unidade, pois nossos mortos são mulheres, negros e indígenas. Há uma grande arquitetura da morte, eles lucram com nossos corpos em projetos do agronegócio, encarceramento de negros e indígenas, militarização e privatização do sistema de segurança pública, militarização e fechamento de escolas, megaprojetos de desenvolvimento que saqueiam nossos territórios e nos impedem de existir. Em outras palavras: nós temos um inimigo em comum. Nossos antepassados fizeram alianças em tantos outros contextos de guerra e nos deram a condição de estar aqui hoje. A força que emanamos na Chapada Diamantina também emerge da energia ancestral que transborda entre rios, lajedos e matas, pulsando nos trabalhos de evocação da jurema, encantados, caboclos, mikisis, orixás e voduns, reforçando a resistência política da luta dos povos que através do ubuntu e do bem viver enfrenta a colonização das mentes, dos corpos e territórios.

Nós não temos mais ilusões com a conciliação com esse modelo de institucionalidade perverso, desmobilizador, e os poderes constituídos que sempre tem defendido os interesses das classes dominantes. Não há ilusões com a democracia burguesa dominada pelo capitalismo. Eles seguem nos perseguindo e nos odiando, agora com uma forte militarização da política agrária e ambiental que tem resultado no aprofundamento da criminalização das lideranças. São mais de 500 anos de assassinato espiritual, intelectual, cultural, moral e física. Isto é o que chamamos de genocídio indígena e negro. Este grande projeto econômico do capital é também um projeto neoextrativista predatório centrado no controle estratégico da terra, água, minério e biodiversidade. Rios morrem, florestas são queimadas, marés são contaminadas, tudo isso em um ritmo cada vez mais acelerado e escancarado, sem a vergonha de esconder o ódio contra nós. Por isso nossos povos e movimentos defendem a mãe terra, “a natureza da qual fazemos parte, nos mantém”. Estamos inspirados por quem nos tem ensinado que temos que construir um mundo que caibam muitos mundos, por aqueles que gritaram há alguns anos “já basta”!
***
Fomos grandes, mas podemos ser ainda maiores. Aprendemos com nossos erros e nossas conquistas. Fortalecemos nossa rede de solidariedade, amparamo-nos mutuamente, traçamos estratégias para autodefesa e resistência. Sabemos, contudo, que há desafios urgentes e que nossa articulação precisa avançar.

Nossas pré-jornadas – eventos regionais de organização da Teia – foram importantes no salto qualitativo da autogestão deste encontro e de ações conjuntas entre movimentos. Entretanto é essencial multiplicá-las e garantir que os núcleos de base e elos da teia se articulem nas regiões a partir das pré-jornadas. Esta é uma relevante tarefa pois a Teia dos Povos não se propõe a ocupar o lugar dos movimentos sociais e das organizações. A Teia uma articulação. A Teia dos Povos somos nós.

Firmamos o compromisso aqui de fortalecer a participação da juventude em nossos espaços e para isso é essencial que os territórios formem e construam atividades com o protagonismo de jovens. Esta é uma decisão.
Seguimos insistindo na necessidade vital de enfrentar as violências e toda sorte de subalternização das mulheres. Em nossos territórios as mulheres já ocupam um lugar central de sobrevivência de nosso povo. Estão do plantio à organização da família e da comunidade. É essencial que isto transpareça nas estruturas organizativas e de decisão – na agroecologia a terra é feminina e o papel fundamental é das mulheres.

Assim convocamos todos os núcleos de base, elos da Teia, apoiadores e lutadores e lutadoras do povo para uma grande ação em março de 2020 em Salvador. Ali o comando será das mulheres negras e indígenas e pelas mulheres e seus povos. Essa é nossa próxima tarefa e a cumpriremos.

2020 será o ano da grande aliança rumo a libertação de nossos povos. Aqui enfrentaremos as contínuas invasões brancas e estrangeiras. Até a guerra!
Diga ao povo que avance!

Cabeceira do Rio Utinga, primavera do 519º ano da primeira invasão.